Estudo de psicóloga revela que envolvimento de menores em processos judiciais é sempre uma experiência traumática. Em média, as crianças são sujeitas a oito interrogatórios. Rúben tem 10 anos e foi abusado sexualmente pelo pai, mas quando denunciou a situação foi estigmatizado pela família que o abandonou. O mesmo aconteceu a Catarina, de 12 anos. Todos os familiares lhe viraram as costas. Os dois residiam na região do Porto, mas hoje estão institucionalizados. Foi o destino que lhes deram após o julgamento dos agressores, em ambos os casos pelos respectivos pais. Hoje arrependem-se de "terem aberto a boca" pois, para além de terem sido abusados sexualmente, foram depois confrontados com o "martírio judicial" que se seguiu. Em Portugal, em média, as crianças vítimas deste crime são sujeitas a oito interrogatórios diferentes tornando-se a experiência de denunciar a verdade negativa e traumática. Este é, pelo menos, o resultado de um estudo realizado por Catarina Ribeiro, psicóloga no Centro de Investigação e Clínica Forense, que transformou em livro "A Criança na Justiça" , lançado amanhã pela livraria Almedina, no Arrábida Shopping, em Gaia. Mas a principal conclusão do trabalho é a de que as instituições não dão o apoio necessário às vítimas devido a uma falta de articulação entre o sistema judicial e o de protecção. "A falta de preparação dos agentes envolventes, de compreensão do desenvolvimento infantil, é evidente tanto ao nível da polícia, como dos juízes, dos magistrados do Ministério Público e até mesmo dos psicólogos e o que acontece é que as crianças são confrontadas com um excesso de perguntas, repetições dos inquéritos, existindo toda uma vulnerabilidade dos técnicos envolvidos", afirma Catarina Ribeiro. Esta docente da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa e do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto analisou 30 processos do Círculo Distrital Judicial do Porto e entrevistou 15 crianças vítimas de abuso sexual intrafamiliar com idades entre os oito e os 12 anos. "Apercebi-me da ambivalência de sentimentos que demonstravam relativamente aos sistema judicial. Se por um lado consideravam que através da justiça os comportamentos de abuso terminam, por outro, achavam doloroso a repetição dos testemunhos", justifica. A percepção dos menores acaba por ser a de que o seu testemunho não é valorizado o que para Catarina Ribeiro torna-se "preocupante quando muitas das vezes é esse o único meio de prova". A docente aponta o modelo seguido nos países nórdicos como o ideal em que as crianças são interrogadas uma ou duas vezes com todos os elementos necessários para o julgamento do processo presentes. Esta "inoperância" do sistema português leva a que o menor saia do tribunal "sem um projecto de vida" delineado, depois mais agravado quando a estruturas de acompanhamento falham.
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